Carta Apostólica - Ano da Fé
Pronunciamentos do Papa
Foi publicada a Carta
Apostólica de Bento XVI referente ao "Ano da Fé", anunciado no domingo, 16 de
outubro de 2011, pelo Papa durante a Celebração Eucarísitca na Basílica
Vaticana. Dividida em quinze partes, a Carta
apresenta as intenções pessoais do Sumo Pontífice, sem a interferência de
nenhuma fonte interna ou externa.
Carta Apostólica sob forma
de Motu Proprio
Porta fidei do
Sumo Pontífice Bento XVI pela qual se proclama o Ano da Fé
1. A PORTA DA FÉ (cf. Act 14, 27), que
introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja, está
sempre aberta para nós. É possível cruzar este limiar, quando a Palavra de Deus
é anunciada e o coração se deixa plasmar pela graça que transforma. Atravessar
aquela porta implica embrenhar-se num caminho que dura a vida inteira. Este
caminho tem início com o Baptismo (cf. Rm 6, 4), pelo qual podemos dirigir-nos a
Deus com o nome de Pai, e está concluído com a passagem a avés da morte para a
vida eterna, fruto da ressurreição do Senhor Jesus, que, com o dom do Espírito
Santo, quis fazer participantes da sua própria glória quantos crêem n’Ele (cf.
Jo 17, 22). Professar a fé na Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – equivale
a crer num só Deus que é Amor (cf. 1 Jo 4, 8): o Pai, que na plenitude dos
tempos enviou seu Filho para a nossa salvação; Jesus Cristo, que redimiu o mundo
no mistério da sua morte e ressurreição; o Espírito Santo, que guia a Igreja
através dos séculos enquanto aguarda o regresso glorioso do Senhor.
2. Desde o princípio do meu ministério
como Sucessor de Pedro, lembrei a necessidade de redescobrir o caminho da fé
para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado
entusiasmo do encontro com Cristo. Durante a homilia da Santa Missa no início do
pontificado, disse: «A Igreja no seu conjunto, e os Pastores nela, como Cristo
devem pôr-se a caminho para conduzir os homens fora do deserto, para lugares da
vida, da amizade com o Filho de Deus, para Aquele que dá a vida, a vida em
plenitude» . Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação
com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria
fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora um tal
pressuposto não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até negado.
Enquanto, no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário,
amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela
inspirados, hoje parece que já não é assim em grandes sectores da sociedade
devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas.
3. Não podemos aceitar que o sal se torne
insípido e a luz fique escondida (cf. Mt 5, 13-16). Também o homem contemporâneo
pode sentir de novo a necessidade de ir como a samaritana ao poço, para ouvir
Jesus que convida a crer n’Ele e a beber na sua fonte, donde jorra água viva
(cf. Jo 4, 14). Devemos readquirir o gosto de nos alimentarmos da Palavra de
Deus, transmitida fielmente pela Igreja, e do Pão da vida, oferecidos como
sustento de quantos são seus discípulos (cf. Jo 6, 51). De facto, em nossos dias
ressoa ainda, com a mesma força, este ensinamento de Jesus: «Trabalhai, não pelo
alimento que desaparece, mas pelo alimento que perdura e dá a vida eterna» (Jo
6, 27). E a questão, então posta por aqueles que O escutavam, é a mesma que
colocamos nós também hoje: «Que havemos nós de fazer para realizar as obras de
Deus?» (Jo 6, 28). Conhecemos a resposta de Jesus: «A obra de Deus é esta: crer
n’Aquele que Ele enviou» (Jo 6, 29). Por isso, crer em Jesus Cristo é o caminho
para se poder chegar definitivamente à salvação.
4. À luz de tudo isto, decidi proclamar um
Ano da Fé. Este terá início a 11 de Outubro de 2012, no cinquentenário da
abertura do Concílio Vaticano II, e terminará na Solenidade de Nosso Senhor
Jesus Cristo Rei do Universo, a 24 de Novembro de 2013. Na referida data de 11
de Outubro de 2012, completar-se-ão também vinte anos da publicação do Catecismo
da Igreja Católica, texto promulgado pelo meu Predecessor, o Beato Papa João
Paulo II, com o objectivo de ilustrar a todos os fiéis a força e a beleza da fé.
Esta obra, verdadeiro fruto do Concílio Vaticano II, foi desejada pelo Sínodo
Extraordinário dos Bispos de 1985 como instrumento ao serviço da catequese e foi
realizado com a colaboração de todo o episcopado da Igreja Católica. E uma
Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos foi convocada por mim, precisamente para o
mês de Outubro de 2012, tendo por tema A nova evangelização para a transmissão
da fé cristã. Será uma ocasião propícia para introduzir o complexo eclesial
inteiro num tempo de particular reflexão e redescoberta da fé. Não é a primeira
vez que a Igreja é chamada a celebrar um Ano da Fé. O meu venerado Predecessor,
o Servo de Deus Paulo VI, proclamou um semelhante, em 1967, para comemorar o
martírio dos apóstolos Pedro e Paulo no décimo nono centenário do seu supremo
testemunho. Idealizou-o como um momento solene, para que houvesse, em toda a
Igreja, «uma autêntica e sincera profissão da mesma fé»; quis ainda que esta
fosse confirmada de maneira «individual e colectiva, livre e consciente,
interior e exterior, humilde e franca». Pensava que a Igreja poderia assim
retomar «exacta consciência da sua fé para a reavivar, purificar, confirmar,
confessar». As grandes convulsões, que se verificaram naquele Ano, tornaram
ainda mais evidente a necessidade duma tal celebração. Esta terminou com a
Profissão de Fé do Povo de Deus, para atestar como os conteúdos essenciais, que
há séculos constituem o património de todos os crentes, necessitam de ser
confirmados, compreendidos e aprofundados de maneira sempre nova para se dar
testemunho coerente deles em condições históricas diversas das do
passado.
5. Sob alguns aspectos, o meu venerado
Predecessor viu este Ano como uma «consequência e exigência pós-conciliar» , bem
ciente das graves dificuldades daquele tempo sobretudo no que se referia à
profissão da verdadeira fé e da sua recta interpretação. Pareceu-me que fazer
coincidir o início do Ano da Fé com o cinquentenário da abertura do Concílio
Vaticano II poderia ser uma ocasião propícia para compreender que os textos
deixados em herança pelos Padres Conciliares, segundo as palavras do Beato João
Paulo II, «não perdem o seu valor nem a sua beleza. É necessário fazê-los ler de
forma tal que possam ser conhecidos e assimilados como textos qualificados e
normativos do Magistério, no âmbito da Tradição da Igreja. Sinto hoje ainda mais
intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça de que beneficiou
a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no
caminho do século que começa». Quero aqui repetir com veemência as palavras que
disse a propósito do Concílio poucos meses depois da minha eleição para Sucessor
de Pedro: «Se o lermos e recebermos guiados por uma justa hermenêutica, o
Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a renovação
sempre necessária da Igreja».
6. A renovação da Igreja realiza-se também
através do testemunho prestado pela vida dos crentes: de facto, os cristãos são
chamados a fazer brilhar, com a sua própria vida no mundo, a Palavra de verdade
que o Senhor Jesus nos deixou. O próprio Concílio, na Constituição dogmática
Lumen gentium, afirma: «Enquanto Cristo “santo, inocente, imaculado” (Heb 7,
26), não conheceu o pecado (cf. 2 Cor 5, 21), mas veio apenas expiar os pecados
do povo (cf. Heb 2, 17), a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio,
simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita
continuamente a penitência e a renovação. A Igreja “prossegue a sua peregrinação
no meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus”, anunciando a cruz
e a morte do Senhor até que Ele venha (cf. 1 Cor 11, 26). Mas é robustecida pela
força do Senhor ressuscitado, de modo a vencer, pela paciência e pela caridade,
as suas aflições e dificuldades tanto internas como externas, e a revelar,
velada mas fielmente, o seu mistério, até que por fim se manifeste em plena
luz».
Nesta perspectiva, o Ano da Fé é convite
para uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo. No
mistério da sua morte e ressurreição, Deus revelou plenamente o Amor que salva e
chama os homens à conversão de vida por meio da remissão dos pecados (cf. Act 5,
31). Para o apóstolo Paulo, este amor introduz o homem numa vida nova: «Pelo
Baptismo fomos sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo foi
ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa
vida nova» (Rm 6, 4). Em virtude da fé, esta vida nova plasma toda a existência
humana segundo a novidade radical da ressurreição. Na medida da sua livre
disponibilidade, os pensamentos e os afectos, a mentalidade e o comportamento do
homem vão sendo pouco a pouco purificados e transformados, ao longo de um
itinerário jamais completamente terminado nesta vida. A «fé, que actua pelo
amor» (Gl 5, 6), torna-se um novo critério de entendimento e de acção, que muda
toda a vida do homem (cf. Rm 12, 2; Cl 3, 9-10; Ef 4, 20-29; 2 Cor 5,
17).
7. «Caritas Christi urget nos – o amor de
Cristo nos impele» (2 Cor 5, 14): é o amor de Cristo que enche os nossos
corações e nos impele a evangelizar. Hoje, como outrora, Ele envia-nos pelas
estradas do mundo para proclamar o seu Evangelho a todos os povos da terra (cf.
Mt 28, 19). Com o seu amor, Jesus Cristo atrai a Si os homens de cada geração:
em todo o tempo, Ele convoca a Igreja confiando-lhe o anúncio do Evangelho, com
um mandato que é sempre novo. Por isso, também hoje é necessário um empenho
eclesial mais convicto a favor duma nova evangelização, para descobrir de novo a
alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de comunicar a fé. Na descoberta
diária do seu amor, ganha força e vigor o compromisso missionário dos crentes,
que jamais pode faltar. Com efeito, a fé cresce quando é vivida como experiência
de um amor recebido e é comunicada como experiência de graça e de alegria. A fé
torna-nos fecundos, porque alarga o coração com a esperança e permite oferecer
um testemunho que é capaz de gerar: de facto, abre o coração e a mente dos
ouvintes para acolherem o convite do Senhor a aderir à sua Palavra a fim de se
tornarem seus discípulos. Os crentes – atesta Santo Agostinho – «fortificam-se
acreditando». O Santo Bispo de Hipona tinha boas razões para falar assim. Como
sabemos, a sua vida foi uma busca contínua da beleza da fé enquanto o seu
coração não encontrou descanso em Deus. Os seus numerosos escritos, onde se
explica a importância de crer e a verdade da fé, permaneceram até aos nossos
dias como um património de riqueza incomparável e consentem ainda a tantas
pessoas à procura de Deus de encontrarem o justo percurso para chegar à «porta
da fé».
Por conseguinte, só acreditando é que a fé
cresce e se revigora; não há outra possibilidade de adquirir certeza sobre a
própria vida, senão abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se
experimenta cada vez maior porque tem a sua origem em Deus.
8. Nesta feliz ocorrência, pretendo
convidar os Irmãos Bispos de todo o mundo para que se unam ao Sucessor de Pedro,
no tempo de graça espiritual que o Senhor nos oferece, a fim de comemorar o dom
precioso da fé. Queremos celebrar este Ano de forma digna e fecunda. Deverá
intensificar-se a reflexão sobre a fé, para ajudar todos os crentes em Cristo a
tornarem mais consciente e revigorarem a sua adesão ao Evangelho, sobretudo num
momento de profunda mudança como este que a humanidade está a viver. Teremos
oportunidade de confessar a fé no Senhor Ressuscitado nas nossas catedrais e nas
igrejas do mundo inteiro, nas nossas casas e no meio das nossas famílias, para
que cada um sinta fortemente a exigência de conhecer melhor e de transmitir às
gerações futuras a fé de sempre. Neste Ano, tanto as comunidades religiosas como
as comunidades paroquiais e todas as realidades eclesiais, antigas e novas,
encontrarão forma de fazer publicamente profissão do Credo.
9. Desejamos que este Ano suscite, em cada
crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada convicção, com
confiança e esperança. Será uma ocasião propícia também para intensificar a
celebração da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que é «a meta para
a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde emana toda a sua força».
Simultaneamente esperamos que o testemunho de vida dos crentes cresça na sua
credibilidade. Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada,
vivida e rezada e reflectir sobre o próprio acto com que se crê, é um
compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano.
Não foi sem razão que, nos primeiros
séculos, os cristãos eram obrigados a aprender de memória o Credo. É que este
servia-lhes de oração diária, para não esquecerem o compromisso assumido com o
Baptismo. Recorda-o, com palavras densas de significado, Santo Agostinho quando
afirma numa homilia sobre a redditio symboli (a entrega do Credo): «O símbolo do
santo mistério, que recebestes todos juntos e que hoje proferistes um a um,
reúne as palavras sobre as quais está edificada com solidez a fé da Igreja,
nossa Mãe, apoiada no alicerce seguro que é Cristo Senhor. E vós recebeste-lo e
proferiste-lo, mas deveis tê-lo sempre presente na mente e no coração, deveis
repeti-lo nos vossos leitos, pensar nele nas praças e não o esquecer durante as
refeições; e, mesmo quando o corpo dorme, o vosso coração continue de vigília
por ele».
10. Queria agora delinear um percurso que
ajude a compreender de maneira mais profunda os conteúdos da fé e, juntamente
com eles, também o acto pelo qual decidimos, com plena liberdade, entregar-nos
totalmente a Deus. De facto, existe uma unidade profunda entre o acto com que se
crê e os conteúdos a que damos o nosso assentimento. O apóstolo Paulo permite
entrar dentro desta realidade quando escreve: «Acredita-se com o coração e, com
a boca, faz-se a profissão de fé» (Rm 10, 10). O coração indica que o primeiro
acto, pelo qual se chega à fé, é dom de Deus e acção da graça que age e
transforma a pessoa até ao mais íntimo dela mesma.
A este respeito é muito eloquente o
exemplo de Lídia. Narra São Lucas que o apóstolo Paulo, encontrando-se em
Filipos, num sábado foi anunciar o Evangelho a algumas mulheres; entre elas,
estava Lídia. «O Senhor abriu-lhe o coração para aderir ao que Paulo dizia» (Act
16, 14). O sentido contido na expressão é importante. São Lucas ensina que o
conhecimento dos conteúdos que se deve acreditar não é suficiente, se depois o
coração – autêntico sacrário da pessoa – não for aberto pela graça, que consente
de ter olhos para ver em profundidade e compreender que o que foi anunciado é a
Palavra de Deus.
Por sua vez, o professar com a boca indica
que a fé implica um testemunho e um compromisso públicos. O cristão não pode
jamais pensar que o crer seja um facto privado. A fé é decidir estar com o
Senhor, para viver com Ele. E este «estar com Ele» introduz na compreensão das
razões pelas quais se acredita. A fé, precisamente porque é um acto da
liberdade, exige também assumir a responsabilidade social daquilo que se
acredita. No dia de Pentecostes, a Igreja manifesta, com toda a clareza, esta
dimensão pública do crer e do anunciar sem temor a própria fé a toda a gente. É
o dom do Espírito Santo que prepara para a missão e fortalece o nosso
testemunho, tornando-o franco e corajoso.
A própria profissão da fé é um acto
simultaneamente pessoal e comunitário. De facto, o primeiro sujeito da fé é a
Igreja. É na fé da comunidade cristã que cada um recebe o Baptismo, sinal eficaz
da entrada no povo dos crentes para obter a salvação. Como atesta o Catecismo da
Igreja Católica, «“Eu creio”: é a fé da Igreja, professada pessoalmente por cada
crente, principalmente por ocasião do Baptismo. “Nós cremos”: é a fé da Igreja,
confessada pelos bispos reunidos em Concílio ou, de modo mais geral, pela
assembleia litúrgica dos crentes. “Eu creio”: é também a Igreja, nossa Mãe, que
responde a Deus pela sua fé e nos ensina a dizer: “Eu creio”, “Nós cremos”».
Como se pode notar, o conhecimento dos
conteúdos de fé é essencial para se dar o próprio assentimento, isto é, para
aderir plenamente com a inteligência e a vontade a quanto é proposto pela
Igreja. O conhecimento da fé introduz na totalidade do mistério salvífico
revelado por Deus. Por isso, o assentimento prestado implica que, quando se
acredita, se aceita livremente todo o mistério da fé, porque o garante da sua
verdade é o próprio Deus, que Se revela e permite conhecer o seu mistério de
amor.
Por outro lado, não podemos esquecer que,
no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não reconhecendo em si
mesmas o dom da fé, todavia vivem uma busca sincera do sentido último e da
verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo. Esta busca é um
verdadeiro «preâmbulo» da fé, porque move as pessoas pela estrada que conduz ao
mistério de Deus. De facto, a própria razão do homem traz inscrita em si mesma a
exigência «daquilo que vale e permanece sempre». Esta exigência constitui um
convite permanente, inscrito indelevelmente no coração humano, para se pôr a
caminho ao encontro d’Aquele que não teríamos procurado se Ele não tivesse já
vindo ao nosso encontro. É precisamente a este encontro que nos convida e abre
plenamente a fé.
11. Para chegar a um conhecimento
sistemático da fé, todos podem encontrar um subsídio precioso e indispensável no
Catecismo da Igreja Católica. Este constitui um dos frutos mais importantes do
Concílio Vaticano II. Na Constituição Apostólica Fidei depositum – não sem razão
assinada na passagem do trigésimo aniversário da abertura do Concílio Vaticano
II – o Beato João Paulo II escrevia: «Este catecismo dará um contributo muito
importante à obra de renovação de toda a vida eclesial (...). Declaro-o norma
segura para o ensino da fé e, por isso, instrumento válido e legítimo ao serviço
da comunhão eclesial».
É precisamente nesta linha que o Ano da Fé
deverá exprimir um esforço generalizado em prol da redescoberta e do estudo dos
conteúdos fundamentais da fé, que têm no Catecismo da Igreja Católica a sua
síntese sistemática e orgânica. Nele, de facto, sobressai a riqueza de doutrina
que a Igreja acolheu, guardou e ofereceu durante os seus dois mil anos de
história. Desde a Sagrada Escritura aos Padres da Igreja, desde os Mestres de
teologia aos Santos que atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma memória
permanente dos inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na
doutrina para dar certeza aos crentes na sua vida de fé.
Na sua própria estrutura, o Catecismo da
Igreja Católica apresenta o desenvolvimento da fé até chegar aos grandes temas
da vida diária. Repassando as páginas, descobre-se que o que ali se apresenta
não é uma teoria, mas o encontro com uma Pessoa que vive na Igreja. Na verdade,
a seguir à profissão de fé, vem a explicação da vida sacramental, na qual Cristo
está presente e operante, continuando a construir a sua Igreja. Sem a liturgia e
os sacramentos, a profissão de fé não seria eficaz, porque faltaria a graça que
sustenta o testemunho dos cristãos. Na mesma linha, a doutrina do Catecismo
sobre a vida moral adquire todo o seu significado, se for colocada em relação
com a fé, a liturgia e a oração.
12. Assim, no Ano em questão, o Catecismo
da Igreja Católica poderá ser um verdadeiro instrumento de apoio da fé,
sobretudo para quantos têm a peito a formação dos cristãos, tão determinante no
nosso contexto cultural. Com tal finalidade, convidei a Congregação para a
Doutrina da Fé a redigir, de comum acordo com os competentes Organismos da Santa
Sé, uma Nota, através da qual se ofereçam à Igreja e aos crentes algumas
indicações para viver, nos moldes mais eficazes e apropriados, este Ano da Fé ao
serviço do crer e do evangelizar.
De facto, em nossos dias mais do que no
passado, a fé vê-se sujeita a uma série de interrogativos, que provêm duma
diversa mentalidade que, particularmente hoje, reduz o âmbito das certezas
racionais ao das conquistas científicas e tecnológicas. Mas, a Igreja nunca teve
medo de mostrar que não é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência
autêntica, porque ambas tendem, embora por caminhos diferentes, para a verdade.
13. Será decisivo repassar, durante este
Ano, a história da nossa fé, que faz ver o mistério insondável da santidade
entrelaçada com o pecado. Enquanto a primeira põe em evidência a grande
contribuição que homens e mulheres prestaram para o crescimento e o progresso da
comunidade com o testemunho da sua vida, o segundo deve provocar em todos uma
sincera e contínua obra de conversão para experimentar a misericórdia do Pai,
que vem ao encontro de todos.
Ao longo deste tempo, manteremos o olhar
fixo sobre Jesus Cristo, «autor e consumador da fé» (Heb 12, 2): n’Ele encontra
plena realização toda a ânsia e anélito do coração humano. A alegria do amor, a
resposta ao drama da tribulação e do sofrimento, a força do perdão face à ofensa
recebida e a vitória da vida sobre o vazio da morte, tudo isto encontra plena
realização no mistério da sua Encarnação, do seu fazer-Se homem, do partilhar
connosco a fragilidade humana para a transformar com a força da sua
ressurreição. N’Ele, morto e ressuscitado para a nossa salvação, encontram plena
luz os exemplos de fé que marcaram estes dois mil anos da nossa história de
salvação.
Pela fé, Maria acolheu a palavra do Anjo e
acreditou no anúncio de que seria Mãe de Deus na obediência da sua dedicação
(cf. Lc 1, 38). Ao visitar Isabel, elevou o seu cântico de louvor ao Altíssimo
pelas maravilhas que realizava em quantos a Ele se confiavam (cf. Lc 1, 46-55).
Com alegria e trepidação, deu à luz o seu Filho unigénito, mantendo intacta a
sua virgindade (cf. Lc 2, 6-7). Confiando em José, seu Esposo, levou Jesus para
o Egipto a fim de O salvar da perseguição de Herodes (cf. Mt 2, 13-15). Com a
mesma fé, seguiu o Senhor na sua pregação e permaneceu a seu lado mesmo no
Gólgota (cf. Jo 19, 25-27). Com fé, Maria saboreou os frutos da ressurreição de
Jesus e, conservando no coração a memória de tudo (cf. Lc 2, 19.51),
transmitiu-a aos Doze reunidos com Ela no Cenáculo para receberem o Espírito
Santo (cf. Act 1, 14; 2, 1-4).
Pela fé, os Apóstolos deixaram tudo para
seguir o Mestre (cf. Mc 10, 28). Acreditaram nas palavras com que Ele anunciava
o Reino de Deus presente e realizado na sua Pessoa (cf. Lc 11, 20). Viveram em
comunhão de vida com Jesus, que os instruía com a sua doutrina, deixando-lhes
uma nova regra de vida pela qual haveriam de ser reconhecidos como seus
discípulos depois da morte d’Ele (cf. Jo 13, 34-35). Pela fé, foram pelo mundo
inteiro, obedecendo ao mandato de levar o Evangelho a toda a criatura (cf. Mc
16, 15) e, sem temor algum, anunciaram a todos a alegria da ressurreição, de que
foram fiéis testemunhas.
Pela fé, os discípulos formaram a primeira
comunidade reunida à volta do ensino dos Apóstolos, na oração, na celebração da
Eucaristia, pondo em comum aquilo que possuíam para acudir às necessidades dos
irmãos (cf. Act 2, 42-47).
Pela fé, os mártires deram a sua vida para
testemunhar a verdade do Evangelho que os transformara, tornando-os capazes de
chegar até ao dom maior do amor com o perdão dos seus próprios
perseguidores.
Pela fé, homens e mulheres consagraram a
sua vida a Cristo, deixando tudo para viver em simplicidade evangélica a
obediência, a pobreza e a castidade, sinais concretos de quem aguarda o Senhor,
que não tarda a vir. Pela fé, muitos cristãos se fizeram promotores de uma acção
em prol da justiça, para tornar palpável a palavra do Senhor, que veio anunciar
a libertação da opressão e um ano de graça para todos (cf. Lc 4,
18-19).
Pela fé, no decurso dos séculos, homens e
mulheres de todas as idades, cujo nome está escrito no Livro da vida (cf. Ap 7,
9; 13, 8), confessaram a beleza de seguir o Senhor Jesus nos lugares onde eram
chamados a dar testemunho do seu ser cristão: na família, na profissão, na vida
pública, no exercício dos carismas e ministérios a que foram
chamados.
Pela fé, vivemos também nós, reconhecendo
o Senhor Jesus vivo e presente na nossa vida e na história.
14. O Ano da Fé será uma ocasião propícia
também para intensificar o testemunho da caridade. Recorda São Paulo: «Agora
permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de
todas é a caridade» (1 Cor 13, 13). Com palavras ainda mais incisivas – que não
cessam de empenhar os cristãos –, afirmava o apóstolo Tiago: «De que aproveita,
irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé
poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento
quotidiano, e um de vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e de
matar a fome”, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes
aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente
morta. Mais ainda! Poderá alguém alegar sensatamente: “Tu tens a fé, e eu tenho
as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te
mostrarei a minha fé”» (Tg 2, 14-18).
A fé sem a caridade não dá fruto, e a
caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida. Fé e
caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra de
realizar o seu caminho. De facto, não poucos cristãos dedicam amorosamente a sua
vida a quem vive sozinho, marginalizado ou excluído, considerando-o como o
primeiro a quem atender e o mais importante a socorrer, porque é precisamente
nele que se espelha o próprio rosto de Cristo. Em virtude da fé, podemos
reconhecer naqueles que pedem o nosso amor o rosto do Senhor ressuscitado.
«Sempre que fizestes isto a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o
fizestes» (Mt 25, 40): estas palavras de Jesus são uma advertência que não se
deve esquecer e um convite perene a devolvermos aquele amor com que Ele cuida de
nós. É a fé que permite reconhecer Cristo, e é o seu próprio amor que impele a
socorrê-Lo sempre que Se faz próximo nosso no caminho da vida. Sustentados pela
fé, olhamos com esperança o nosso serviço no mundo, aguardando «novos céus e uma
nova terra, onde habite a justiça» (2 Ped 3, 13; cf. Ap 21, 1).
15. Já no termo da sua vida, o apóstolo
Paulo pede ao discípulo Timóteo que «procure a fé» (cf. 2 Tm 2, 22) com a mesma
constância de quando era novo (cf. 2 Tm 3, 15). Sintamos este convite dirigido a
cada um de nós, para que ninguém se torne indolente na fé. Esta é companheira de
vida, que permite perceber, com um olhar sempre novo, as maravilhas que Deus
realiza por nós. Solícita a identificar os sinais dos tempos no hoje da
história, a fé obriga cada um de nós a tornar-se sinal vivo da presença do
Ressuscitado no mundo. Aquilo de que o mundo tem hoje particular necessidade é o
testemunho credível de quantos, iluminados na mente e no coração pela Palavra do
Senhor, são capazes de abrir o coração e a mente de muitos outros ao desejo de
Deus e da vida verdadeira, aquela que não tem fim.
Que «a Palavra do Senhor avance e seja
glorificada» (2 Ts 3, 1)! Possa este Ano da Fé tornar cada vez mais firme a
relação com Cristo Senhor, dado que só n’Ele temos a certeza para olhar o futuro
e a garantia dum amor autêntico e duradouro. As seguintes palavras do apóstolo
Pedro lançam um último jorro de luz sobre a fé: «É por isso que exultais de
alegria, se bem que, por algum tempo, tenhais de andar aflitos por diversas
provações; deste modo, a qualidade genuína da vossa fé – muito mais preciosa do
que o ouro perecível, por certo também provado pelo fogo – será achada digna de
louvor, de glória e de honra, na altura da manifestação de Jesus Cristo. Sem O
terdes visto, vós O amais; sem O ver ainda, credes n’Ele e vos alegrais com uma
alegria indescritível e irradiante, alcançando assim a meta da vossa fé: a
salvação das almas» (1 Ped 1, 6-9). A vida dos cristãos conhece a experiência da
alegria e a do sofrimento. Quantos Santos viveram na solidão! Quantos crentes,
mesmo em nossos dias, provados pelo silêncio de Deus, cuja voz consoladora
queriam ouvir! As provas da vida, ao mesmo tempo que permitem compreender o
mistério da Cruz e participar nos sofrimentos de Cristo (cf. Cl 1, 24) , são
prelúdio da alegria e da esperança a que a fé conduz: «Quando sou fraco, então é
que sou forte» (2 Cor 12, 10). Com firme certeza, acreditamos que o Senhor Jesus
derrotou o mal e a morte. Com esta confiança segura, confiamo-nos a Ele: Ele,
presente no meio de nós, vence o poder do maligno (cf. Lc 11, 20); e a Igreja,
comunidade visível da sua misericórdia, permanece n’Ele como sinal da
reconciliação definitiva com o Pai.
À Mãe de Deus, proclamada «feliz porque
acreditou» (cf. Lc 1, 45), confiamos este tempo de graça.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia
11 de Outubro do ano 2011, sétimo de Pontificado.
Minha fé é política porque ela não suporta
separação entre o corpo de Jesus e o corpo de um irmão.
Minha fé é política porque crê que a economia
pode mudar um dia e ser toda solidária
Minha fé é política porque acredito na
juventude, na sua força e inquietude, no seu poder de diferença.
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